quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Solidão Coletiva

Cláudio Guimarães dos Santos

Não é preciso ser nenhuma estrela da psicoterapia ou da filosofia para saber que, atualmente, é cada vez maior o contingente de pessoas que se queixam de solidão. Nos “barzinhos da vida”, por exemplo, esse é o grande tema - e muitas vezes o único - que é sempre discutido apaixonadamente.
E, ao contrário do que pensam alguns machões mais radicais, a solidão é o assunto preferido não apenas das mulheres, mas também dos homens, quando lá pelo quarto ou quinto copo de cerveja o papo começa a ficar mais sério, após terem sido esgotadas as últimas piadas e as discussões sobre futebol.
De um ponto de vista psicológico, é interessante notar que, apesar de estarem reunidas em volta de uma mesa, muitas pessoas não se cansam de reclamar por não terem ninguém para partilhar, de modo sincero, os seus desejos, medos, decepções, prazeres, angústias, carências, enfim, a sua vida. Ou seja, estão todos ali “juntinhos”, mas absolutamente solitários...
Trata-se, não há dúvida, de um dos grandes fenômenos sociológicos do mundo contemporâneo, que eu costumo chamar de “solidão coletiva”. Por que será que ele ocorre e o que fazer para revertê-lo (se é que, de fato, há algo a ser feito)?
O assunto é controverso, complexo, espinhoso e, por isso mesmo, não terei a pretensão de esgotá-lo em algumas poucas linhas. Ousarei, contudo, arriscar ao menos uma hipótese, que considero interessante e até consistente.
Há quem ache, por exemplo, que os homens e as mulheres da nossa época têm tanta dificuldade para constituir vínculos estáveis – sejam hétero ou homossexuais - porque estão por demais voltados para dentro de si mesmos, aprisionados no abismo egocêntrico das suas interioridades.
Não concordo com essa idéia. Creio, antes, que é precisamente por se encontrarem completamente voltados para fora, com as suas mentes subjugadas pela propaganda e pela mídia, que muitos, hoje em dia, não conseguem suportar a convivência com um companheiro ou companheira, e é por isso que estão sozinhos.
Uma tal vinculação excessiva ao mundo acelera o processo de diluição da interioridade do indivíduo – que já não era tão sólida -, com a conseqüente corrosão da sua capacidade de autodeterminação. Em outras palavras, tais vínculos externos, antes opcionais, passam, agora, a ser obrigatórios, tornando-se os únicos “fundamentos” a dar um pouco de sentido à sua vida, ainda que seja um sentido estereotipado e impessoal.
Assim, num aparente paradoxo, quanto mais “entchurmadas” se acham as pessoas, mais solitárias e isoladas elas se sentem, mergulhadas nos seus respectivos sofrimentos: todo mundo fica com todo mundo, mas ninguém permanece com ninguém.
É como se o excesso de circuitos e de oportunidades de contato disponíveis, multiplicando as opções de interação entre as pessoas, impedisse, por isso mesmo, o desenvolvimento, em cada um delas, de uma interioridade madura e conseqüente, sem a qual nenhum contato genuíno (e satisfatório) com o outro é possível.
Além disso, num mundo cuja tônica é a satisfação imediata dos desejos mais banais, do deleite dos sentidos mais grosseiros, num mundo no qual tantos envelhecem sem jamais se terem tornado adultos, quem seria capaz de se interessar pelo desenvolvimento de uma interioridade madura? Afinal, por que queimar os miolos com essas difíceis abstrações se a vida, para uma boa parte da humanidade, consiste – como, aliás, sempre consistiu... – em comer, dormir e copular, não necessariamente nessa ordem?
Na nossa época, os desejos consumistas das pessoas foram de tal modo exacerbados que elas não mais conseguem ficar satisfeitas, pouco importando o que lhes caia nas mãos, seja um carro, um vestido, um prêmio de loteria, ou até mesmo um companheiro ou companheira. Tão logo o “objeto” desejado é obtido, elas se lançam, desesperadas, atrás de um novo “troféu”, transformando as suas vidas na perseguição insensata de um estado de saciedade prazerosa – de uma espécie de “nirvana às avessas” - que jamais será atingido.
Esgotam-se, assim, dessa maneira tola, os esportistas, em busca de mais medalhas; os homens de negócios, atrás de mais dinheiro; os artistas, querendo mais sucesso; os políticos, almejando mais poder; e, todos eles, indistintamente, perseguindo essa coisa abstrata, que não conseguem muito bem definir, à qual dão o nome - na falta de outro melhor - de “felicidade”.
Esse fenômeno se torna ainda mais curioso quando nos damos conta de que fatos como a inevitabilidade da morte ou a impossibilidade da satisfação absoluta dos desejos são conhecidos de todos – desde a infância – e isso qualquer que seja a visão filosófico-religiosa considerada.
Não existe, infelizmente, solução simples e fácil para um tal estado de coisas. Ao contrário do que apregoam os fanáticos por remédios e “bolinhas”, nenhuma pílula será capaz de fomentar o desenvolvimento de uma personalidade equilibrada, criativa, integral, capaz de se bastar a si mesma e, por isso, de interagir generosamente com as outras pessoas.
Resta o desafio do autoconhecimento - seja daquele buscado, de forma isolada, pelo próprio indivíduo; seja daquele obtido com o auxílio de um psicoterapeuta experiente. Trata-se, como alguns bem sabem, de um caminho lento, difícil e quase sempre doloroso, mas quão recompensador...
Qualquer outra medida será, na minha opinião, apenas paliativa, contribuindo, com o passar do tempo, para aumentar ainda mais a legião dos que se sentam nos barzinhos, apinhados de gente, e ficam por ali se queixando de que sempre estão sozinhos. E, para algumas pessoas, não há melhor consolo do que passar a vida reclamando... da vida.
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6 comentários:

Pedro disse...

Belo texto. Provoca uma reflexão muito pertinente, ainda mais para alguém como eu, aos vinte e dois anos, estudando medicina e "vassourando" com a vida.
Escrevo algumas crônicas e há pouco tempo criei um blog para dar maior visibilidade a elas.
Se puder, passe por lá qualquer hora.
afinaldcontas.blogspot.com (com "d" mudo msm)
Abraço

Johnny disse...

Excelente texto, a solidão nesse mundo que escorre a todo instante pelos vãos da afetividade só nos faz lembrar o quão distante estamos dum viver adequado e prazeroso.

alberto disse...

Claudio, parabéns pelo seu texto. Porém, na condição de seu colega (nos quesitos: médico,psicoterapeuta e escritor)atrevo-me a uma crítica e sugestão. A crítica se restringe ao "clichê" pequeno burguês da solidão, com figuras do tipo "barzinho" que escapa a um universalidade que acredito - e aí vai a sugestão - possa ser aproximadamente alcançada dentro da perspectiva existencial de Heidegger da existência autêntica, ou seja, aquela voltada para a certeza da morte, quando então, buscamos o SER das coisas e não sua aparência. Aliás, estamos perdendo o SER das coisas, daí nos vincularmos a tudo que nos leva a esquecer a inevitabilidade da morte. Diante da colocação de um cliente jovem de que, quando só, busca um barzinho (representação do complexo materno junguiano), sugeri que mudasse o local e situação para aliviar a solidão, ao menos como experiência para escapar ao "FAZ-Se", "USA-SE". Na minha opinião, os jovens estão cada vez mais mergulhados neste "FAZER-SE" e "USAR-SE", sem sem se perguntarem se é isto que querem FAZER ou USAR. Sem mais. Alberto.

Unknown disse...

Olá Dr. claudio! Olá a todos!


Meus sinceros cumprimentos. A sua trajetória é brilhante!
Quanto ao assunto que o senhor propõe, farei um breve comentário e antecipadamente agradeço pela oportunidade.
Sobre o tema proposto: um, também excelente terapeuta, afirma (e concordo inteiramente com ele), que a felicidade, ao contrário do que muitos pensam, consiste no aconchego, na paz que se sente ao lado de quem se ama. A felicidade não é um estado de euforia permanente. A felicidade é aquela rotina agradável que se vivencia, porque não há como fugir da rotina e ela não é, novamente ao contrário do que muitos pensam, algo desgastante, chato, tedioso. Muitas pessoas (infelizes com o que tem) buscam desesperadamente novidade, uma busca frenética, ensandecida, e o que encontram é sempre um imenso vazio.
A etmologia da palavra lar, vem de lareira. Todos aquecidos em volta do fogo, juntos, conversando.
Não precisa muito. Toda essa angústia, essa busca insana, hedonista em busca de algo que não está fora, mas dentro de si mesmo. Basta que se olhe em volta: ali está tudo o que se precisa para ser feliz: a paz, a rotina e o aconchego da família, das pessoas que nos são tão caras, mas que muitos só dão valor diante da inexorabilidade da morte, os afazeres que podem parecer tão banais e corriqueiros, mas que faltando, trazem tanta tristeza e dai sim: a temida solidão.
É uma delícia passear, e melhor ainda, é voltar para casa, para os nossos. As pessoas que amamos são preciosidades, e todas elas, todas mesmo, estão de passagem em nossas vidas, por isso é fundamental tratá-las muito bem, com amor, respeito, delicadeza, amabilidade.
A vida é uma passagem. Não vale a pena portanto, viver em pé de guerra, valorizando o que está lá fora em detrimento daqueles que amamos e que estão tão perto de nós, muitas vezes esperando uma palavra de atenção, um carinho, o tão necessário e merecido reconhecimento.
Eu proponho um retorno aos antigos valores, uma viagem ao interior de si mesmo, um novo olhar sobre a família, sobre as pessoas que de fato são realmente importantes em nossas vidas, a tão gostosa rotina e que inexistindo, faz tanta falta. Abraços.

genivaldoshalon@hotmail.com disse...

Oi Cláudio! Sou um assinante do Jornal Folha de S. Paulo. Li o artigo "Deus é fiel". Fiquei curioso com o que você falaria. Sou pastor e nâo fico arrepiado, ou surpreso sobre as coisas que se fala de Deus. Não sei qual é a sua crença, mas ao ler o artigo, confesso que eu não entendi muito bem, se você estava falando de Deus, ou sobre a decepção com Deus, e mais, com a decepção com aqueles que se dizem crentes.
Uma coisa eu sei: Deus é fiel."Se somos infiéis, Ele permanece fiel; porque Ele não pode negar a si mesmo".2 Timóteo 2.13. Eu não quero falar sobre as injustiças que há no mundo O salmista Azafe já o fez no salmo 73 e obteve a sua resposta. Se você fizer essa pergunta para os milhôes de brasileiros de todos os credos, eles reponderão: Deus é fiel. Ele é fiel por curar um câncer, curar uma forte dor de cabeça e etc. Eu sei que junto com isso será pedido uma resposta sobre o ocorrido no 11 de setembro, a violência contra as crianças, as injustiças e outras coisas desse gênero. Eu posso citar uma causa - o pecado - isso explica muita coisa, explica 100% dos questionamentos.
Deus não é fiel apenas por curar ou prover algo para o ser humano. Deus é fiel porque alguém crê nEle sabe, que mesmo quando algo não acontece, ou acontece algo que seja ruim, ainda assim Deus é fiel. Veja o caso de Jó.
Sei que é versado nas letras e tem um conhecimento grande na filosofia, ciência e artes, e como médico acredito que já tenha presenciado alguns milagres.
Eu só quero dizer para você que apesar de estar escrevendo sobre algo que vivo,espero que você entenda que nem sempre ouvimos coisas boas de Deus. Principalmente quando visito hospitais e cemitérios, há sempre uma sensação de injustiça no ar.
Mesmo assim Deus é fiel.

annab disse...

Cláudio,
Grata surpresa o conteúdo de seu blog e, em especial, esse artigo.
Solidão coletiva é uma boa expressão para tentar definir esse ponto da trajetória da humanidade, nas sociedades ocidentais. A vista desse ponto não é agradável e vc a descreveu muito bem.
Concordo com Alain de Botton quando diz que esse é o primeiro momento na sociedade ocidental totalmente centrado no homem, não havendo transcendência quase alguma. Nenhuma instância superior a que se recorrer...Os "unfortunates" - que detinham uma posição menos privilegiada na sociedade assim o eram por não terem sidos tocados pela sorte,hoje são chamados de "losers", assim estão por falta de competência...mais um ponto a favor da solidão coletiva.
O autoconhecimento é um caminho importante a ser trilhado mas para isso é preciso que ouçamos nossa alma.Em meio a tantas distrações sensoriais, tarefa admirável

Anna Beatriz
annab.maia@gmail.com