CLÁUDIO GUIMARÃES DOS SANTOS
TENDÊNCIAS/DEBATES
05 de dezembro de 2011
A internet só é útil
para quem dela se serve com inteligência e discernimento; empregada com más
intenções, ela pode levar ao oposto da liberdade
No conto "A Hora e Vez de Augusto Matraga", Guimarães Rosa nos
fala de um homem perdido pelas veredas da vida, mas que, no dia da sua morte,
imprime à própria história um sentido que jamais tivera.
Quantos de nós, quando chegar o momento, conseguirão fazer o mesmo?
Trata-se, sem dúvida, de questão crucial, pois, como seres semióticos, não nos
é dado viver sem perseguir significados - muito menos sem sermos por eles
perseguidos.
Assediados por informações redundantes, a maioria dos humanos
pós-modernos a elas reagem de maneira catastrófica: ora absorvem as notícias
como se fossem parasitas, alimentando-se de "bits" que já chegam
digeridos, ora engolem, sem critério, toneladas de conteúdos, para depois
sofrerem de pantagruélica indigestão.
A internet é um caso exemplar. Por meio dela - creem os fiéis mais
ardorosos- seria possível transmitir ao cidadão informações não distorcidas
pelo "filtro pernicioso" da imprensa e também elevar o nível cultural
do povo (há mesmo visionários que já sonham com democracias plebiscitárias, onde
as questões relevantes seriam decididas, "de casa mesmo", pelo
tamborilar obediente de milhões de dedos operosos no teclado místico da
pátria).
Será isso verdade?
Não creio. A internet só é útil para os que dela se servem com
inteligência e discernimento e que sabem, de antemão, o que desejam encontrar.
Graças a ela, por exemplo, o amante de música pode ter rápido acesso a
gravações diferentes da sua obra predileta.
Um indivíduo, porém, que não tiver recebido uma boa educação musical - com
professores vocacionados, competentes e bem pagos-, dificilmente optará por
ouvir a "Grande Fuga", de Beethoven ou "As Rosas não
Falam", de Cartola, ignorando até que existam. Ele preferirá se divertir
com algum lixo midiático que lhe tiver sido inculcado de maneira sorrateira.
De nada lhe servirá a hipertextualidade da internet, com as suas
infinitas possibilidades semânticas, que é tão incensada por
"ciberfilósofos" iludidos com o fetiche da técnica. O mais das vezes,
navegará pelas rotas congestionadas "por onde vai todo mundo",
reafirmando o gregarismo acrítico que marca esta época em que avultam a solidão
coletiva e a servidão voluntária.
É por isso que a internet, se empregada com más intenções, pode levar ao
oposto da liberdade e conduzir, pela ladeira do populismo conformista, ao
pântano dos regimes totalitários.
Neste mundo tão "virtual", onde tudo parece ser o que não é,
vale a pena lembrar que o meio não é nunca a mensagem, apesar do que dizia
McLuhan (mais citado que lido).
Para além dos apelos da rapidez insensata e da novidade banal, brilha a
sabedoria profunda das verdadeiras obras-primas, a única capaz de dar sentido à
"hora e vez" de cada pessoa.
Um grande conto será sempre grande, descortinando panoramas
insuspeitados, esteja escrito em papel de pão, embutido num holograma ou
estampado numa tela polvilhada de hyperlinks. Guimarães Rosa, sem nunca ter
visto a internet, sabia disso muito bem.
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CLÁUDIO L. N. GUIMARÃES DOS SANTOS, 51, escritor, artista plástico, médico e diplomata, é mestre em artes pela USP e doutor em linguística pela Universidade de Toulouse-Le Mirail (França).Blog: *http://perplexidadesereflexoes.blogspot.com/
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CLÁUDIO L. N. GUIMARÃES DOS SANTOS, 51, escritor, artista plástico, médico e diplomata, é mestre em artes pela USP e doutor em linguística pela Universidade de Toulouse-Le Mirail (França).Blog: *http://perplexidadesereflexoes.blogspot.com/